“Guardados para momentos graves, os
editoriais de primeira página são raríssimos na Folha, de Otávio Frias. Hoje, o
jornal clama para que as relações de Marcos Valério com tucanos de Minas Gerais
sejam examinadas sem demora. Será que isso é possível? Wafrido dos Mares Guia
será beneficiado pela prescrição. A denúncia contra Eduardo Azeredo dormita nas
gavetas do STF e o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza ignorou os
nomes de 79 políticos que receberam do valerioduto tucano
Assim
como o jornal O Globo, a Folha de S. Paulo também passou a definir a Ação Penal
470 como um "Julgamento para a história". Com este título, o jornal
de Otávio Frias Filho aponta num editorial de primeira página o surgimento de
um novo país, mas diz que só haverá razões para celebrar se, no futuro, o rigor
utilizado contra o PT vier a se tornar a regra – e não a exceção. "Outros
casos, a começar pelo das relações de Marcos Valério com o PSDB de Minas
Gerais, terão de ser examinados sem demora."
Ou
seja: segundo o texto, pau que bate em Chico também deve bater em Francisco. Mas será
que isso ainda é possível? O chamado "mensalão petista" ocorreu de 2003 a 2005 e as condenações
estão colocadas. O "mensalão tucano" ocorreu em 1998 e ainda não foi
nem sequer relatado – a esse respeito, o ministro Joaquim Barbosa já havia
apontado o desinteresse dos meios de comunicação.
Mais
grave ainda, o caso de Minas Gerais já beneficiou com a prescrição o então
coordenador de campanha de Eduardo Azeredo, Wafrido dos Mares Guia, com a
prescrição, em razão dos seus 70 anos, prestes a ser completados. Além disso, o
inquérito, diferentemente do que atingiu o PT, foi desmembrado. Azeredo é réu
no Supremo, mas outros réus caíram em primeira instância. E o mais grave de
tudo é que o autor da denúncia, Antonio Fernando de Souza, ex-procurador-geral
da República, ignorou os nomes de 79 políticos que receberam recursos do
valerioduto tucano em 1998. A
denúncia foi feita pelo próprio advogado Marcelo Leonardo, que representa
Valério e disse ter apresentados até recibos de depósitos bancários. Segundo
Leonardo, o ex-procurador considerou que, no caso do PSDB, houve "caixa
dois eleitoral", um crime já prescrito – a não mensalão.
Abaixo, o editorial da Folha:
Julgamento para a história
Fixadas
pelo Supremo Tribunal Federal as penas que recaem sobre os principais acusados
do mensalão, o julgamento de um dos maiores escândalos da história republicana
vai chegando ao seu desfecho.
A
compra de votos de parlamentares, com recursos desviados do patrimônio público,
foi capitaneada pelo principal auxiliar do presidente Lula, o então ministro
José Dirceu. Na sessão de ontem do STF, sua punição por formação de quadrilha e
corrupção ativa, ainda sujeita a ajustes, foi estipulada em dez anos e dez meses
de prisão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado.
Não
é o caso de celebrar, com espírito vindicativo, a decisão do tribunal.
Haverá
motivos para comemorar o resultado do julgamento apenas se, no futuro, o rigor
e o cuidado que o presidiram se tornarem corriqueiros, e não, como ainda
acontece, fatos excepcionais na política do país.
Um
país em que a indignação dava lugar para o conformismo e em que todo escândalo
estava destinado à impunidade e ao esquecimento -talvez esse país comece a ser
outro, a partir de agora.
Até
pelo ineditismo das circunstâncias, não se pode deixar de observar que o
julgamento se deu com alguma dose de improviso. Não havia clareza quanto ao que
fazer, por exemplo, no caso de empate entre os magistrados. Foi a meio caminho
que se fixaram, ademais, critérios quantitativos para aumentar a pena dos
condenados quando o mesmo delito se repetia várias vezes.
As
discussões entre os ministros, que frequentemente extravasaram os contornos da
serenidade que se espera de um tribunal superior, foram entretanto evidentes
demonstrações de que a decisão se deu num clima de liberdade absoluta, com
amplo espaço para a divergência.
Um
julgamento minucioso, que resulta em condenações fundamentadas solidamente em
nexos fatuais e lógicos, expôs-se dia a dia pelas câmeras de TV.
Culminou-se
o trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal e das CPIs que, deflagrado
por revelações da imprensa crítica, desvendou uma das mais complexas e nefastas
tramas criminais já urdidas nos bastidores do poder.
Outros casos, a começar
pelo das relações de Marcos Valério com o PSDB de Minas Gerais, terão de ser
examinados sem demora.
Não
será num dia que se banirá a impunidade da política brasileira, mas emergiram,
como nunca, as condições para que isso aconteça.’
Comentários