Luciano Martins Costa, Observatório daImprensa
“A observação imediata da imprensa, como é feita neste espaço diariamente, é um exercício delicado, pelo constante risco de avaliações incorretas, o que exige a leitura sistemática, a manutenção de fontes confiáveis e arquivos facilmente acessíveis.
Outra coisa é a observação que é feita na pesquisa acadêmica, utilizando metodologias consagradas nas ciências sociais e beneficiada pelo tempo disponível para a maturação das conclusões.
Em ambos os casos, o pesquisador tem a possibilidade de identificar ocorrências isoladas que são capazes de representar tendências mais amplas.
É o caso, por exemplo, do artigo produzido pela jornalista gaúcha Deysi Cioccari, e apresentado na sexta-feira (23/11), durante o evento Interprogramas na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, no qual ela analisa exclusivamente os registros fotográficos feitos pela Folha de S. Paulo e a revista Veja durante o processo de cassação do ex-senador Demóstenes Torres.
Fato estranho
A pesquisadora acompanhou, entre os dias 29 de fevereiro e 7 de maio deste ano, o surgimento de denúncias envolvendo o então líder do Partido Democratas com atividades criminosas de Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, explorador de jogos de azar.
Mas baseou suas observações nas escolhas das imagens feitas pela Folha e a Veja, na cobertura dos fatos relacionados ao escândalo, procurando identificar o papel ideológico das imagens fotográficas de acordo com a teoria da segunda realidade, elaborada pelo fotógrafo e historiador brasileiro Boris Kossoy, e com o conceito de simulacro, proposto pelo filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard.
Como se sabe, a relevância das imagens é fator conhecido no processo da imprensa moderna, e não são poucos os estudiosos que consideram as escolhas de fotografias como parte central na definição do sentido que se quer dar ao noticiário.
Esse é, quase sempre, o elemento que diferencia os veículos destinados a públicos mais educados e o chamado jornalismo popular. Além disso, as fotografias que compõem a primeira página de um jornal e a capa das revistas de informação representam, junto com a manchete, o recurso mais relevante para atrair a atenção do leitor. Portanto, a observação de Deysi Cioccari se concentra em um ponto crucial do trabalho jornalístico, que revela as principais intenções de cada edição analisada.
Chama atenção, no material pesquisado, o fato de que a Folha de S. Paulo registrou e destacou, desde o primeiro momento, a revelação do envolvimento do senador com o bicheiro, enquanto a revista Veja, claramente, procurou se manter alheia ao desenvolvimento dos fatos, entrando num bizarro processo de alienação, que é revelado pela pesquisadora.
Assim, no dia 29 de fevereiro, quando veio a público a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, revelando-se as primeiras ligações entre Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira, Veja saiu com uma fotografia do padre católico Marcelo Rossi, e o título: “Ágape, o milagre da leitura”.
A operação policial não mereceu nem mesmo uma nota na coluna “Radar”, dedicada à política.
Em 7 de março, na semana marcada pela defesa inicial de Torres, quando a Folha publicava declaração do então senador negando ter concedido favores ao bicheiro, a revista Veja saiu pela tangente com reportagem intitulada “Por que o Brasil tem o iPhone mais caro do mundo”.
O fato se torna ainda mais estranho, segundo a autora, porque nessa altura a Folha deixava claro que ainda não havia provas de relação ilícita do senador com Cachoeira.
Na semana seguinte, quando a Polícia Federal anunciava o indiciamento de Carlos Cachoeira e mais 81 suspeitos, Veja saiu com o lutador Anderson Silva na capa, sob o título “O gladiador tranquilo”.
O que Veja não viu
A sequência do material revela o agravamento das revelações feitas pela imprensa sobre o esquema do qual fazia parte o senador, com a Folha de S. Paulo destacando as novidades do inquérito e do processo iniciado no Senado Federal, mas, estranhamente, até então o jornal também tinha evitado expor a imagem do acusado em fotografia na primeira página.
Apenas no dia 27 de março, quando a crise toma grandes proporções e o Partido Democratas cogita expulsar o senador goiano, a Folha exibe uma foto do acusado, na verdade um registro do banco de imagens do Supremo Tribunal Federal de quase um mês antes.
Em abril, quando a situação de Demóstenes Torres se revela insustentável, Veja oferece capa com “O mistério renovado do Santo Sudário” e uma reportagem sobre jovens empreendedores brasileiros, sob o título “Os filhos da inovação”. Na sequência da crise política, houve ainda capas sobre as vantagens das pessoas mais altas, mulheres na chefia de empresas e outros assuntos aleatórios.
A pesquisadora conclui que não foi a mídia que desmascarou Demóstenes, mas contribuiu para sua derrocada, e o registro desse processo revela como a imprensa se dividiu “entre a condenação antecipada de um lado (pela Folha de S. Paulo) e o silêncio mortuário de outro” (a estranha alienação de Veja).”
“A observação imediata da imprensa, como é feita neste espaço diariamente, é um exercício delicado, pelo constante risco de avaliações incorretas, o que exige a leitura sistemática, a manutenção de fontes confiáveis e arquivos facilmente acessíveis.
Outra coisa é a observação que é feita na pesquisa acadêmica, utilizando metodologias consagradas nas ciências sociais e beneficiada pelo tempo disponível para a maturação das conclusões.
Em ambos os casos, o pesquisador tem a possibilidade de identificar ocorrências isoladas que são capazes de representar tendências mais amplas.
É o caso, por exemplo, do artigo produzido pela jornalista gaúcha Deysi Cioccari, e apresentado na sexta-feira (23/11), durante o evento Interprogramas na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, no qual ela analisa exclusivamente os registros fotográficos feitos pela Folha de S. Paulo e a revista Veja durante o processo de cassação do ex-senador Demóstenes Torres.
Fato estranho
A pesquisadora acompanhou, entre os dias 29 de fevereiro e 7 de maio deste ano, o surgimento de denúncias envolvendo o então líder do Partido Democratas com atividades criminosas de Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, explorador de jogos de azar.
Mas baseou suas observações nas escolhas das imagens feitas pela Folha e a Veja, na cobertura dos fatos relacionados ao escândalo, procurando identificar o papel ideológico das imagens fotográficas de acordo com a teoria da segunda realidade, elaborada pelo fotógrafo e historiador brasileiro Boris Kossoy, e com o conceito de simulacro, proposto pelo filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard.
Como se sabe, a relevância das imagens é fator conhecido no processo da imprensa moderna, e não são poucos os estudiosos que consideram as escolhas de fotografias como parte central na definição do sentido que se quer dar ao noticiário.
Esse é, quase sempre, o elemento que diferencia os veículos destinados a públicos mais educados e o chamado jornalismo popular. Além disso, as fotografias que compõem a primeira página de um jornal e a capa das revistas de informação representam, junto com a manchete, o recurso mais relevante para atrair a atenção do leitor. Portanto, a observação de Deysi Cioccari se concentra em um ponto crucial do trabalho jornalístico, que revela as principais intenções de cada edição analisada.
Chama atenção, no material pesquisado, o fato de que a Folha de S. Paulo registrou e destacou, desde o primeiro momento, a revelação do envolvimento do senador com o bicheiro, enquanto a revista Veja, claramente, procurou se manter alheia ao desenvolvimento dos fatos, entrando num bizarro processo de alienação, que é revelado pela pesquisadora.
Assim, no dia 29 de fevereiro, quando veio a público a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, revelando-se as primeiras ligações entre Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira, Veja saiu com uma fotografia do padre católico Marcelo Rossi, e o título: “Ágape, o milagre da leitura”.
A operação policial não mereceu nem mesmo uma nota na coluna “Radar”, dedicada à política.
Em 7 de março, na semana marcada pela defesa inicial de Torres, quando a Folha publicava declaração do então senador negando ter concedido favores ao bicheiro, a revista Veja saiu pela tangente com reportagem intitulada “Por que o Brasil tem o iPhone mais caro do mundo”.
O fato se torna ainda mais estranho, segundo a autora, porque nessa altura a Folha deixava claro que ainda não havia provas de relação ilícita do senador com Cachoeira.
Na semana seguinte, quando a Polícia Federal anunciava o indiciamento de Carlos Cachoeira e mais 81 suspeitos, Veja saiu com o lutador Anderson Silva na capa, sob o título “O gladiador tranquilo”.
O que Veja não viu
A sequência do material revela o agravamento das revelações feitas pela imprensa sobre o esquema do qual fazia parte o senador, com a Folha de S. Paulo destacando as novidades do inquérito e do processo iniciado no Senado Federal, mas, estranhamente, até então o jornal também tinha evitado expor a imagem do acusado em fotografia na primeira página.
Apenas no dia 27 de março, quando a crise toma grandes proporções e o Partido Democratas cogita expulsar o senador goiano, a Folha exibe uma foto do acusado, na verdade um registro do banco de imagens do Supremo Tribunal Federal de quase um mês antes.
Em abril, quando a situação de Demóstenes Torres se revela insustentável, Veja oferece capa com “O mistério renovado do Santo Sudário” e uma reportagem sobre jovens empreendedores brasileiros, sob o título “Os filhos da inovação”. Na sequência da crise política, houve ainda capas sobre as vantagens das pessoas mais altas, mulheres na chefia de empresas e outros assuntos aleatórios.
A pesquisadora conclui que não foi a mídia que desmascarou Demóstenes, mas contribuiu para sua derrocada, e o registro desse processo revela como a imprensa se dividiu “entre a condenação antecipada de um lado (pela Folha de S. Paulo) e o silêncio mortuário de outro” (a estranha alienação de Veja).”
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