Aconteceu na esquina da Pegasus com a Caralho-de-Asas

Eberth Vêncio, Revista Bula

“Cornélio ganha a vida vigiando carros e pessoas na esquina da Pegasus com a Caralho-de-Asas. Teve a infância malograda já ao nascer, por acaso, de parto domiciliar bruto, desassistido, no conturbado seio familiar de degredados sociais. O pai era um viciado incorrigível ao ponto de beber a caubói copos de álcool combustível; a mãe, mulher analfabeta, parideira aidética de uma renca de filhos.

Sob o barraco de lona preta de um cômodo só, descobriu deste cedo o quanto o Homem estorvava os planos de Deus na construção de um mundo melhor. O mais incrível é que cria na divindade com a mesma convicção que um deputado acredita jamais será pego em escutas telefônicas comprometedoras.

Então, na prática, ele foi deseducado, adestrado na dureza insigne das ruas, na crueza dos seus pares igualmente miseráveis, resignados companheiros do abandono e da negligência social. Pode-se dizer que escapuliu por um milagre, um capricho do Pai, quem sabe, naquele cenário caótico a que muitos teimam chamar “família”.

Não. Aquilo não era uma família, uma célula da sociedade, conforme dizem os empolados. Na melhor das hipóteses, uma célula cancerosa que se replica independentemente, a despeito da lei, da ordem, do progresso, e dos aumentos substanciais do PIB. Poder-se-ia dizer aquilo era uma matilha de cães sarnentos entregues à própria sorte.

Não neguem: todo mundo, um dia, já desejou matar um flanelinha, um desconhecido, um inimigo, um ex-amigo, um parente, um qualquer um. Passar com o carro por cima. Dar nele um tiro. Mandar bater no folgado até virar geleia. Eu mesmo já desejei aniquilar um monte de gente, mas não passei de um remorso, de fugazes ímpetos de auto-destruição, de uma gastrite nervosa, de algumas sessões de terapia e dezenas de rugas na testa.

Cornélio até que é um ser agradável de encontrar, de vez em quando. Ele guarda um carisma difícil de explicar, mas não abre mão de uns trocadinhos. Ameaçar ele não ameaça, mas já riscou latarias de gente mal criada com o seu prego vingador, ferramenta de justiça terrena e divina.

Tomávamos garapa juntos sob a sombra de uma mungubeira e, enquanto a vida seguia o seu ritmo claramente estúpido, ele contava o episódio que o marcaria para sempre, até que Deus finalmente o convocasse para subir a Mansão dos Mortos (ele começava assim o relato daquele melodrama, e a sua fé imorredoura num Criador deixava-me deveras comovido, para não dizer, desenxabido).”
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