Tim Lopes, dez anos depois: dos mortos notáveis aos inomináveis


Marcio de Souza Castilho, Correio da Cidadania

“O assassinato do jornalista Tim Lopes na noite de 2 de junho de 2002, quando investigava denúncias de tráfico de drogas e exploração sexual de jovens num baile funk no subúrbio carioca, desencadeou uma cobertura intensa da imprensa brasileira. Tim fazia uma “reportagem investigativa” na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, para ser exibida no programa Fantástico, da Rede Globo.

O forte impacto provocado pela morte do repórter capturou inicialmente a atenção do público, em grande medida pela brutalidade do episódio. Afirmar, no entanto, que a intensa repercussão midiática estava associada unicamente a uma reação da comunidade jornalística em defesa da democracia e da liberdade de imprensa seria desconsiderar variantes simbólicas e outros pormenores que estão presentes nas relações de poder entre imprensa, campo político e sociedade. Por que, afinal, a mídia resolveu colocar uma lente de aumento na cobertura da violência urbana, com a morte de um de seus pares, escapando das representações habituais e ampliando o noticiário em uma área onde o jornalismo normalmente transita com superficialidade?

Para responder a essa inquietação, cabe fazermos um breve resgate, inicialmente, sobre o lugar ocupado pela morte na mídia. Diferentes locais são atribuídos aos mortos em um jornal: há o lugar do morto banal e inominável, vítima da violência cotidiana, e o do morto notável. Enquanto aquele se mantém anônimo nos hospitais e velórios, este é reconduzido ao mundo dos vivos, via meios de comunicação.

Analisando as narrativas post mortem, Maurice Mouillaud (2002) nos ajuda a identificar algumas características que demarcam esses dois lugares no noticiário. Os mortos banais ou de serviço são “aqueles que compõem a necrologia; aparecem dia após dia, no mesmo local, pelo menos nos jornais regionais, e como uma informação local, que interessa, e só interessa, a uma comunidade: faz parte do balanço de suas perdas e ganhos (como os casamentos e nascimentos). É banal e repetitiva como a própria morte” (2002: 349). Já os mortos notáveis, segundo o autor, têm o privilégio de se sobrepor aos demais assuntos do conteúdo noticioso. Mouillaud reconhece o “grande morto” na medida em que na primeira página ele apaga todas as demais informações. Outra marca de exclusividade é a capacidade de fragmentar-se no interior do jornal. Ele “multiplica-se em gêneros de discurso e em variantes no interior de cada um dos gêneros; (...) porque, se o grande morto é um assunto único, o jornal o fragmenta em múltiplos assuntos” (2002: 351).

Rondelli e Herschmann (2000) entendem a morte como momento fundador da (re)construção do sujeito. Ao se tornar objeto de práticas discursivas, este indivíduo imortalizado ganha novas significações, passando a habitar o imaginário social. “O morto é despido e autopsiado para que, sobre seu corpo, comecem a se enunciar interpretações, atribuições de sentido sobre ele e seus comportamentos, idéias e atitudes” (2000: 63). Se a execução de Tim Lopes decretou o fim do corpo biológico, o assassinato deflagrou o renascimento do corpo do repórter como representação. É a partir da sua morte que ele passa a ter sua vida reinterpretada pela imprensa. Seu desaparecimento parece ter dado sentido definitivo a sua biografia.”
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