Qual é a pauta da luta pela verdade sobre a ditadura?


Edson Teles, Blog da Boitempo

“No último dia 10 de maio, após cerca de seis meses de sua aprovação no Congresso, finalmente a Presidente Dilma Roussef nomeou os sete membros da Comissão Nacional da Verdade. De acordo com a Lei que institui a Comissão, estes conselheiros terão por tarefa “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”, examinando e esclarecendo “as graves violações de direitos humanos praticadas” no período entre 1946 e 1988. Dois movimentos, por vezes contraditórios e em outros momentos confluentes, se evidenciam sob o foco deste acontecimento.

O primeiro ocorre sob o impacto da nomeação na grande mídia e se refere à qualidade dos sete indicados. Assim, uma maioria de opiniões elogiou os nomes designados, ora ponderando sobre o histórico de boa parte, ora enaltecendo a ausência de representantes do “outro lado”. De certo modo, a pauta da grande mídia em torno dos nomes mostra a ação do Estado brasileiro, em especial do Executivo, em seu esforço de governo para alcançar uma composição com o máximo consenso político possível.

Este primeiro percurso nos permite refletir sobre duas lógicas da estrutura do Estado Democrático de Direito que, no Brasil, se instalam especialmente a partir da Constituição de 1988. Por um lado a que consiste na oposição entre o legal e o ilegal por meio da criação das leis e da punição ao ilícito. Esta divisão entre o permitido e o proibido é tão antiga quanto o Estado Moderno, porém com sua legitimidade deteriorada diante de regimes autoritários, como foi o caso da ditadura militar, ganha nova relevância com a democratização. Os estados de direito se organizam justamente sobre a normatização das práticas sociais e, deste modo, instituem os direitos, as leis e regulam as sociabilidades por meio do ordenamento jurídico.

Uma segunda lógica das democracias contemporâneas é a do governo. Nelas há toda uma série de relações de forças em conflito que não podem ser reguladas pelo direito. O ordenamento jurídico inclui em suas letras o que pode ser observado em sua regularidade e repetição. Mas há algo que escapa às séries regulares: a política. Não podemos prever o resultado das relações de forças, mobilizações de opinião pública, vulneráveis aos acontecimentos aleatórios e modificáveis pelas constantes alterações na capacidade de luta dos envolvidos. E, justamente, o modo com que o Estado de Direito lida com o não regular é através de um cálculo de governo. Nesta lógica do governo, o estabelecimento da oposição entre o legal e o ilegal não é suficientemente sustentada. A governabilidade necessita realizar a conta do que é mais ou menos provável, compondo com as forças mais poderosas e fixando uma média considerada possível, além da qual quase nada será permitido. A política do possível cria um consenso que, de modo geral, bloqueia os restos resultantes do cálculo. Parece-nos esta a conta do Executivo ao nomear a Comissão Nacional da Verdade: ir até um ponto tal em que as forças aliadas não ameacem a governabilidade.”
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