Lei das comunicações da Argentina pode ser inspiração para o Brasil, diz sociólogo


Atílio Borón analisa a vitória eleitoral de Cristina e destaca a necessidade de um novo modelo econômico que não seja "obediente ao capitalismo" como os Kirchner foram até agora

João Peres, Rede Brasil Atual

O sociólogo e cientista político argentino Atílio Borón avalia que a reeleição de Cristina Kirchner em primeiro turno para a Presidência argentina decorre de políticas sociais e da articulação de novos atores políticos. O principal deles é a juventude, até então afastada da arena partidária, e que se aproximou de Cristina. Em entrevista,o professor da universidade de Buenos Aires ajuda a entender peculiaridades da vida política argentina. "Falar da Argentina de 2015 é como falar do Brasil de 2094. É uma política de uma dinâmica muito peculiar", sustenta. Ele lembra que, há pouco mais de um ano, uma vitória de Cristina era pouco provável.

Agora, a proximidade entre a presidenta e os movimentos sociais também tornam pouco provável o surgimento de uma alternativa política à esquerda. Esse movimento político, aliás, é outro dos trunfos governistas no processo eleitoral completado no domingo (23).

Sobre a Lei dos Meios, que muda as regras de funcionamento de rádios, TVs e restringe propriedade cruzada de veículos de comunicação, Borón afirma que seria necessário aprimorar o texto para atender à necessidade de emissoras pequenas. Mas deixa claro que considera positiva a medida por restringir o tamanho e a influência de grandes conglomerados de comunicação.

Por isso, ele faz uma sugestão à nação vizinha: "Para um país como o Brasil, seria ótimo que ocorresse o mesmo porque aí há uma concentração absurda dos veículos de comunicação. Quando a comunicação está concentrada, a democracia está frágil. Este é um axioma básico da ciência política".

Como se explica este triunfo tão grande de Cristina Kirchner?

Houve um conjunto de fatores objetivos que representam uma melhoria de questões básicas para o povo argentino. Um desempenho econômico mais do que razoável, ainda que eu não goste desse modelo econômico, sobre o qual tenho gravíssimas dúvidas. De todo modo, criou uma sensação de bem estar e um consumo significativo, então isso não poderia deixar de se traduzir em um apoio social muito forte para Cristina. É um dado indiscutível. Houve uma moderada distribuição de ingressos. Moderada. Mais ou menos na linha do Brasil. O Benefício Universal por Filho é na linha do Bolsa Família. E uma inclusão de setores sociais que estavam à margem, como o programa para beneficiados. Se somamos a isso outras políticas, como a retomada das reuniões anuais de negociações entre patrões e trabalhadores, isso cria uma boa sensação. Era muito difícil colocar-se contra isso.

O que não se examina é que a morte do esposo de Cristina (Néstor Kirchner) criou um fenômeno completamente novo, completamente inesperado, que foi a constituição de um ator político novo, muito importante e muito dinâmico, que é a juventude, que antes praticamente não tinha participação ativa na vida política argentina. Esse setor irrompe de maneira muito forte após o 27 de outubro (de 2010, data da morte de Néstor), e que dá um dinamismo absolutamente impensável à candidatura de Cristina. Ela soube capitalizar isso muito bem, facilitada pela burrice fenomenal dos opositores. É absolutamente incrível. Com um contexto econômico muito favorável, o apoio de vários setores é canalizado para Cristina. Diante da série de erros cometidos pela oposição e da falta de propostas, o resultado era esperado.
Aproveitou o vento favorável da economia mundial (até 2008), coisa que tiveram outros governos, mas não aproveitaram. Isso soube fazer Cristina. A renegociação da dívida, as brigas com os organismos internacionais ainda no governo de Néstor (como a solução para a moratória de 2001), tudo isso também criou uma imagem positiva.

O governo brigou bastante, mas acabou pagando a dívida.

Sim, é um governo muito obediente ao capitalismo. Isso sempre foi muito claro. Fizeram o mesmo que fez Lula (no Brasil). O Fundo Monetário Internacional exigiu que pagassem, eles pagaram. É muito simples. A proposta de Cristina é um capitalismo racionalmente organizado, com capitalistas nacionais. Muitas vezes, na tentativa de organizar o capitalismo o que teve lugar foi a concentração monopólica, já que a organização favorece o monopólio. Na Argentina, a economia é uma das mais estrangeirizadas da América Latina. Por mais que se queira um capitalismo sério e nacional, resulta debochado e transnacional. Ela terá de tomar alguma decisão neste sentido.”
Entrevista Completa, ::Aqui::

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