“O escândalo do News of the World - e os desdobramentos regulatórios que ele possa ensejar - ultrapassa os ares do interesse inglês. “Todos os primeiros-ministros britânicos tinham relações, no mínimo, incestuosas com Murdoch. Isto demonstra a permeabilidade do poder político e partidário à mobilização opinativa de grandes conglomerados de comunicação. Não creio que este seja um fenômeno apenas britânico”, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo, em entrevista à Carta Maior.
Saul Leblon, Carta Maior
A Europa voltou a ser o centro do mundo pelo avesso. A crise da democracia e a da esquerda, bem como o colapso das finanças desreguladas fazem ranger o velho convés do continente. As respostas tardam; os ventos uivam. Parece uma tempestade perfeita.
Fica difícil até mesmo ao observador mais desatento não enxergar o vazio de liderança e de projeto no desfilar de figuras opacas que ditam rumos a uma nau hesitante, sendo desmentidas pelo poder do dinheiro no pregão do dia seguinte.
É nesse cenário desordenado, entupido de estereótipos políticos e carente de protagonistas verdadeiros, que o dinheiro em pessoa compareceu a uma audiência no Parlamento Britânico, na última quarta-feira.
US$ 45 bilhões personificados na figura amarfanhada, algo negligente, de Rupert Murdoch estavam ali na condição de suspeitos.
Uma folha corrida histórica incluiria explicitamente as acusações de açambarcamento do espaço da política e violação do discernimento democrático da sociedade . Porém, neste caso, o motivo da audiência era a comprovada quebra de mais de 4 mil sigilos telefônicos pelo tabloide inglês News of the World, de propriedade de Murdoch.
Delitos de proporções industriais como esse só se concebem, de qualquer forma, a partir de um poder descomunal de persuasão política que flerta com a sensação de impunidade. É o caso do poder reunido pelo dinheiro nas mãos de Murdoch que comanda uma teia midiática capaz de capturar, silenciar ou multiplicar vozes, imagens e idéias impressas com um grau de abrangência repetitiva imbatível em língua inglesa.
O senhor dinheiro deu as respostas de praxe às evidencias – grosseiras até - de um intercurso entre seus veículos, sobretudo o tabloide sensacionalista mencionado, e o poder político conservador na velha Albion. Mas não só nela. Do outro lado do Atlântico, o dinheiro materializado na Fox News ancora eleitoralmente a demência extremista da direita norte-americana reunida no Tea Party, que não existira sem a rede.
Deve-se a Fox News, ainda, a catarse de medo e ódio que pavimentou a invasão do Iraque e também a atual sedimentação republicana para voltar ao poder, em 201 2.Seu pontapé eleitoral é a tresloucada plataforma de cortes de gastos que pretende paralisar os EUA e Obama e, no mínimo, obriga-lo a depenar o orçamento social em plena campanha pela reeleição. Mais uma vez, sem o poder emissor de Murdoch seria impossível polarizar a opinião pública e a agenda mundial em torno desses temas.
Monossilábico, na audiência de quarta-feira, o senhor dinheiro tentou relativizar sua intrusão na vida política. Resmungou que não privava apenas da intimidade do Partido Conservador ora no poder. Desfrutou igual deferência junto aos antecessores de David Cameron –que teve sua comunicação de campanha e governo entregue a talentos pinçados diretamente da direção do News of the World, a exemplo do que ocorreu na cúpula da Scotland Yard.
Os antecessores trabalhistas sugeridos, Tony Blair e Gordon Brown, não desmentiram a ecumênica influência do senhor dinheiro.
Os fatos arrolados e as suspeitas justificadas reforçam assim a percepção de que o maior desafio nesta crise do capitalismo, a exemplo do que ocorreu em sua grande antecessora, de 1929, é reduzir o poder desmedido do dinheiro sobre as decisões políticas e as escolhas da sociedade.”
Entrevista Completa, ::Aqui::
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