Mauro Santayana, Jornal do Brasil
“O STF autorizou as manifestações de sábado próximo, em favor da legalização do uso da maconha. Manifestações em defesa do homossexualismo já se tornaram banais, no Brasil e no resto do mundo. Esses movimentos chocam muitas pessoas, sobretudo as mais velhas, que viveram um mundo muito antigo, o que existia até a primeira metade do século passado. Há menos de cem anos, o homossexualismo era punido a chibatadas em vários países do Ocidente, mas também a chibatadas eram punidos os que se levantavam contra as injustiças, como ocorreu, em 1910, nos navios ancorados no Rio. O episódio levou à desesperada revolta dos aviltados, o que fez de um marinheiro negro, João Cândido, o mais poderoso almirante da historia do Brasil, durante algumas horas.
A visão radical da liberdade de ser não pode admitir quaisquer constrangimentos ao indivíduo, naquelas decisões que só a ele interessam, desde que ele esteja consciente de sua escolha. Drogar-se é uma opção pessoal – e não só com maconha. Combater o tráfico de drogas é dever do governo. A razão recomenda regulamentar a produção e o comércio das drogas, sem, no entanto, deixar de combater o seu uso, com o emprego de outros instrumentos, que não os da repressão policial. O consumo de fumo caiu substancialmente no Brasil, depois de algumas medidas dissuasórias, entre elas a interdição da propaganda que o incitava, e a ação educativa do governo que o combatia. Há, sem embargo, que encontrar soluções engenhosas, no combate ao consumo de drogas que dizimam as crianças pobres, como o crack e o oxi. É possível encontrar sucedâneos que provoquem as mesmas sensações, sem os efeitos que destroem o organismo.
O mais importante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é a associação, reconhecida pelos juizes, da liberdade de consumir maconha – que muitos consideram menos danosa à saúde que o tabaco – à liberdade de expressão. Nos últimos anos, sob o argumento da defesa das minorias, ponderáveis grupos da sociedade ficaram constrangidos de expressar a sua própria opinião. Sem julgar o que pode ser considerado certo ou errado, a liberdade de manifestação do pensamento é a de permitir a difusão de quaisquer idéias, desde que não incitem ao crime. Deve ser livre a manifestação tanto contra o uso de drogas, quanto em seu favor. Os heterossexuais, se se sentirem a isso compelidos, também devem ser autorizados a defender o que consideram ser o relacionamento íntimo normal entre as duas identidades humanas. Mas é conveniente também suspeitar que estimular determinadas manifestações populares significa evitar outras. A ordem de domínio é sagaz: substitui as revoluções políticas pelas revoluções dos costumes. É também de sua solércia construir caminhos de diversão – de fuga, em suma -, ao promover a alienação política, mediante o afrouxamento moral e o estímulo às crendices. Até mesmo a literatura que, a pretexto da auto-ajuda, açula o egoísmo, serve a esse propósito, ao acenar que a salvação é individual, e não coletiva. A ação política é substituída pela passividade da ascese.
Não é somente a religião – em leitura apressada de Marx – que constitui o ópio do povo. Ao aceitar essa idéia que, convenhamos, não foi exatamente o pensamento do filósofo, teríamos que aceitar a sua antítese: a de que as drogas são – ao nos afastar da dura realidade do sofrimento e da frustração – a religião dos atormentados.
É bom que as ruas das grandes cidades brasileiras se encham dos que desejam, ao mesmo tempo, o direito de usar maconha e o da livre manifestação de pensamento, de qualquer pensamento. Mas seria conveniente que as ruas se povoassem também dos que não podem admitir o retorno das privatizações, entre elas as dos aeroportos, que poderão ser administrados por estrangeiros, e daqueles que não concordam com o poder que as agências reguladoras de atividades estratégicas têm sobre o Estado e a sociedade nacional. Não seria mal, tampouco, que todos os que assim quisessem, fossem às ruas, a fim de exigir a punição dos peculatários e de alguns juízes que, sem constrangimento, votam contra a lógica do direito e a razão da ética. Felizmente parece que podemos contar com a maioria do STF, mas o Supremo só pode manifestar-se em certos casos, quando estão em jogo os direitos constitucionais – entre eles o da liberdade – e os interessados conseguem chegar à sua porta.”
“O STF autorizou as manifestações de sábado próximo, em favor da legalização do uso da maconha. Manifestações em defesa do homossexualismo já se tornaram banais, no Brasil e no resto do mundo. Esses movimentos chocam muitas pessoas, sobretudo as mais velhas, que viveram um mundo muito antigo, o que existia até a primeira metade do século passado. Há menos de cem anos, o homossexualismo era punido a chibatadas em vários países do Ocidente, mas também a chibatadas eram punidos os que se levantavam contra as injustiças, como ocorreu, em 1910, nos navios ancorados no Rio. O episódio levou à desesperada revolta dos aviltados, o que fez de um marinheiro negro, João Cândido, o mais poderoso almirante da historia do Brasil, durante algumas horas.
A visão radical da liberdade de ser não pode admitir quaisquer constrangimentos ao indivíduo, naquelas decisões que só a ele interessam, desde que ele esteja consciente de sua escolha. Drogar-se é uma opção pessoal – e não só com maconha. Combater o tráfico de drogas é dever do governo. A razão recomenda regulamentar a produção e o comércio das drogas, sem, no entanto, deixar de combater o seu uso, com o emprego de outros instrumentos, que não os da repressão policial. O consumo de fumo caiu substancialmente no Brasil, depois de algumas medidas dissuasórias, entre elas a interdição da propaganda que o incitava, e a ação educativa do governo que o combatia. Há, sem embargo, que encontrar soluções engenhosas, no combate ao consumo de drogas que dizimam as crianças pobres, como o crack e o oxi. É possível encontrar sucedâneos que provoquem as mesmas sensações, sem os efeitos que destroem o organismo.
O mais importante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é a associação, reconhecida pelos juizes, da liberdade de consumir maconha – que muitos consideram menos danosa à saúde que o tabaco – à liberdade de expressão. Nos últimos anos, sob o argumento da defesa das minorias, ponderáveis grupos da sociedade ficaram constrangidos de expressar a sua própria opinião. Sem julgar o que pode ser considerado certo ou errado, a liberdade de manifestação do pensamento é a de permitir a difusão de quaisquer idéias, desde que não incitem ao crime. Deve ser livre a manifestação tanto contra o uso de drogas, quanto em seu favor. Os heterossexuais, se se sentirem a isso compelidos, também devem ser autorizados a defender o que consideram ser o relacionamento íntimo normal entre as duas identidades humanas. Mas é conveniente também suspeitar que estimular determinadas manifestações populares significa evitar outras. A ordem de domínio é sagaz: substitui as revoluções políticas pelas revoluções dos costumes. É também de sua solércia construir caminhos de diversão – de fuga, em suma -, ao promover a alienação política, mediante o afrouxamento moral e o estímulo às crendices. Até mesmo a literatura que, a pretexto da auto-ajuda, açula o egoísmo, serve a esse propósito, ao acenar que a salvação é individual, e não coletiva. A ação política é substituída pela passividade da ascese.
Não é somente a religião – em leitura apressada de Marx – que constitui o ópio do povo. Ao aceitar essa idéia que, convenhamos, não foi exatamente o pensamento do filósofo, teríamos que aceitar a sua antítese: a de que as drogas são – ao nos afastar da dura realidade do sofrimento e da frustração – a religião dos atormentados.
É bom que as ruas das grandes cidades brasileiras se encham dos que desejam, ao mesmo tempo, o direito de usar maconha e o da livre manifestação de pensamento, de qualquer pensamento. Mas seria conveniente que as ruas se povoassem também dos que não podem admitir o retorno das privatizações, entre elas as dos aeroportos, que poderão ser administrados por estrangeiros, e daqueles que não concordam com o poder que as agências reguladoras de atividades estratégicas têm sobre o Estado e a sociedade nacional. Não seria mal, tampouco, que todos os que assim quisessem, fossem às ruas, a fim de exigir a punição dos peculatários e de alguns juízes que, sem constrangimento, votam contra a lógica do direito e a razão da ética. Felizmente parece que podemos contar com a maioria do STF, mas o Supremo só pode manifestar-se em certos casos, quando estão em jogo os direitos constitucionais – entre eles o da liberdade – e os interessados conseguem chegar à sua porta.”
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