Crônica de um assassinato gradual

Ayrton Centeno, Brasília Confidencial

“Naquele 13 de março, João Goulart queixou-se da teia de “terror ideológico” tecida pelos seus adversários:

“Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas”, desabafou o presidente perante 200.000 pessoas, no comício da Central do Brasil.

E prosseguiu:

“A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia anti-povo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam”.

Quarenta e seis anos depois, suas palavras reverberam notável frescor, como se estivessem pairando agora nas ruas do velho Rio.

“A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobras; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.

Naquela noite dos idos de março de 1964 moviam-se estrelas da política e muitos coadjuvantes. Um deles, um jovem de 22 anos. Presidente da União Nacional dos Estudantes, a UNE, também discursou, dedo em riste, intenso. Tinha algumas divergências com o governo, mas frequentava o mesmo palanque.

Dezoito dias depois, o vaticínio de Jango – “Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas” – consubstanciou-se sob a forma de tanques, fuzis e metralhadoras. Golpeado, o governo constitucional se desfez e alimentou a diáspora dos seus protagonistas, coadjuvantes ou periféricos. O rapaz escondeu-se durante alguns dias, a sede da UNE foi incendiada e ele também saiu do Brasil.”
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