“O Brasil pode, mas o problema não está nas carências da infraestrutura, e sim na superestrutura
Mino Carta, Carta Capital
Há silêncios e silêncios. René Clair, arguto cineasta francês do pré-Segunda Guerra Mundial, proclamou na tela que o silêncio é de ouro. Nem sempre, murmuro. Recordo, por exemplo, o silêncio aterrador que se apossou da cidade vazia na tarde de um dia maligno do Campeonato Mundial de Futebol de 1982, a tarde do Sarriá. Paolo Rossi esmigalhou a esperança nativa e a cidade (falo de São Paulo) ficou muda, entre o espanto e o desespero.
A recordação me ocorre enquanto vivemos o clangor das vuvuzelas, cujo nome importamos na qualidade de aculturados, embora se trate da velha corneta. Mas há ruídos e ruídos. Confesso, com algum constrangimento, que as vuvuzelas estimulam saudades de René Clair. Longe de mim, no entanto, condenar a festa popular, muito pelo contrário, embora a preferisse sem aquele som a misturar o lamento com o ataque dos pernilongos. Incomoda-me é a patriotada dos abastados e seus aspirantes, embandeiram seus carros, mas não convidariam para jantar aqueles que enxergam agora como heróis do Brazil-zil-zil.
Já desejei que o povo brasileiro deixasse de ser tão festeiro e começo a mudar de ideia. Já fui bastante pessimista em relação ao destino do País e dou agora para andar no sentido oposto. O que me anima é a perspectiva de crescimento do Brasil. Este ano, a taxa vai ficar, no mínimo, em 6%, em meio a uma crise que abala gravemente o chamado Primeiro Mundo. E então me pergunto: que aconteceria se crescêssemos a níveis chineses nos próximos dez anos?
Não é preciso espremer as meninges para responder: se for assim, o Brasil chega, na pior das hipóteses, bem perto do modelo de país que sempre mereceu ser, não fosse uma elite feroz, voraz, arrogante, retrógrada, voltada exclusivamente para os seus próprios interesses, incapaz de entender que uma sociedade mais equilibrada, mais igualitária, garante o bem-estar de todos. Trata-se de uma ideia elementar, mas há uma porção de brasileiros conspícuos que não se habilitam a percebê-la e que ainda dispõem de muito poder. Os donos do próprio, conforme Raymundo Faoro.”
Artigo Completo, ::Aqui::
Mino Carta, Carta Capital
Há silêncios e silêncios. René Clair, arguto cineasta francês do pré-Segunda Guerra Mundial, proclamou na tela que o silêncio é de ouro. Nem sempre, murmuro. Recordo, por exemplo, o silêncio aterrador que se apossou da cidade vazia na tarde de um dia maligno do Campeonato Mundial de Futebol de 1982, a tarde do Sarriá. Paolo Rossi esmigalhou a esperança nativa e a cidade (falo de São Paulo) ficou muda, entre o espanto e o desespero.
A recordação me ocorre enquanto vivemos o clangor das vuvuzelas, cujo nome importamos na qualidade de aculturados, embora se trate da velha corneta. Mas há ruídos e ruídos. Confesso, com algum constrangimento, que as vuvuzelas estimulam saudades de René Clair. Longe de mim, no entanto, condenar a festa popular, muito pelo contrário, embora a preferisse sem aquele som a misturar o lamento com o ataque dos pernilongos. Incomoda-me é a patriotada dos abastados e seus aspirantes, embandeiram seus carros, mas não convidariam para jantar aqueles que enxergam agora como heróis do Brazil-zil-zil.
Já desejei que o povo brasileiro deixasse de ser tão festeiro e começo a mudar de ideia. Já fui bastante pessimista em relação ao destino do País e dou agora para andar no sentido oposto. O que me anima é a perspectiva de crescimento do Brasil. Este ano, a taxa vai ficar, no mínimo, em 6%, em meio a uma crise que abala gravemente o chamado Primeiro Mundo. E então me pergunto: que aconteceria se crescêssemos a níveis chineses nos próximos dez anos?
Não é preciso espremer as meninges para responder: se for assim, o Brasil chega, na pior das hipóteses, bem perto do modelo de país que sempre mereceu ser, não fosse uma elite feroz, voraz, arrogante, retrógrada, voltada exclusivamente para os seus próprios interesses, incapaz de entender que uma sociedade mais equilibrada, mais igualitária, garante o bem-estar de todos. Trata-se de uma ideia elementar, mas há uma porção de brasileiros conspícuos que não se habilitam a percebê-la e que ainda dispõem de muito poder. Os donos do próprio, conforme Raymundo Faoro.”
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