Revisão da Lei de Anistia não é ato de revanchismo, diz presidente da OAB

Daniella Dolme, Última Instância

“A ação que questiona a aplicação da Lei de Anistia sobre os agentes do Estado que praticaram torturas, sequestros e assassinatos durante o regime militar não é um instrumento de revanchismo ou de vingança contra os militares, segundo o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante.

Responsável por defender no julgamento da próxima quarta-feira (14/4), perante o STF (Supremo Tribunal Federal), a tese de que a Lei 6.638/79 anistiou apenas os crimes políticos e não impede a punição dos torturadores, Cavalcante afirma que o Estado brasileiro é devedor de uma explicação sobre os crimes ocorridos na Ditadura Militar (1964-1985).

“Não se trata de revanchismo, não se trata de vingança em relação às pessoas que podem ser acusadas. Trata-se do resgate da história, da memória da sociedade brasileira, que é fundamental para o fortalecimento da Constituição e da democracia no país”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva a Última Instância, Cavalcante contesta a versão de que a Lei de Anistia foi um grande pacto de pacificação nacional, que perdoou os crimes dos dois lados da disputa. “A Lei de Anistia foi debatida. Mas, muito mais do que debatida, ela foi imposta como uma condição para que se pudesse flexibilizar o regime”.

Segundo o presidente da OAB, uma grande pressão política levou à aceitação da lei da forma como foi apresentada, o que permitiu a volta de milhares de exilados que haviam deixado o país entre o fim da década de 60 e meados da década de 70. “Prevaleceu a força de quem já estava no poder”, observa o advogado.

Ele também critica a falta de apoio do Governo Lula, que apesar de ser integrado por diversos opositores e perseguidos políticos na Ditadura, não demonstrou interesse na ação.

Com exceção dos ministros da Justiça, Tarso Genro (que deixou o cargo recentemente), e dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, o tema enfrenta grande resistência no governo. Os Ministérios da Defesa, de Relações Exteriores e a AGU (Advocacia Geral da União) se posicionaram contra a revisão, assim como a PGR (Procuradoria Geral da República), cujo posicionamento surpreendeu analistas.

Última Instância - Qual a expectativa da OAB sobre o julgamento da ação que questiona a Lei de Anistia? Que interpretação o STF deve dar a ela?
Ophir Cavalcante - A Ordem espera que o STF interprete que a Lei da Anistia somente é aplicável aos crimes ideológicos, aos crimes políticos. Para os crimes comuns, entre os quais está a tortura, ela não seria aplicada. Ao fazer isso, o Supremo permitirá que sejam instaurados processos contra os torturadores, para que eles possam responder a ações penais. Não se trata de revanchismo, não se trata de vingança em relação as pessoas que podem ser acusadas. Trata-se do resgate da história, da memória da sociedade brasileira, que é fundamental para o fortalecimento da Constituição e da democracia no país, sobretudo, para garantir um futuro diferente para nossos filhos e netos. As pessoas precisam saber o que aconteceu com seus parentes, suas pessoas queridas, e muitas pessoas até hoje não sabem. Isso é importante para que nós possamos passar a limpo a nossa história e olhar para o futuro de uma outra forma.

Última Instância – Por que ainda é necessário, depois de 30 anos, punir os responsáveis por esses crimes?
Ophir Cavalcante - Imagine você, se algum familiar seu tivesse sido morto em uma situação como essa. Você não iria querer que houvesse Justiça? Que o crime fosse apurado? Que a pessoa que matou fosse penalizada? Creio que esse é um sentimento que todo o ser humano tem, de justiça.

Última Instância - A Lei anistiou todos os crimes políticos e conexos cometidos entre 1961 e 1979. Os atos de repressão estatal (tortura, sequestros e assassinatos) podem ser considerados crimes conexos?
Ophir Cavalcante - A Ordem entende que se tratam de crimes comuns e não crimes conexos aos crimes políticos. E, uma vez declarados crimes comuns, eles seriam imprescritíveis, por causa dos tratados internacionais. Com isso, as pessoas que estivessem envolvidas poderiam ser objeto de um processo judicial, a fim de apurar essa responsabilidade.”
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