PT terá que se reposicionar diante do lulismo, diz André Singer

No momento em que completa 30 anos de sua fundação, o Partido dos Trabalhadores se vê diante de um novo fenômeno eleitoral, o lulismo, que pode obrigá-lo a ter que se reposicionar no cenário político brasileiro.

Caio Quero, BBC Brasil

Esta é a opinião do jornalista e cientista político André Singer, pesquisador do sistema eleitoral brasileiro e ex-porta-voz do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Singer publicou no final do ano passado um artigo em que aponta o surgimento deste novo fenômeno eleitoral.

Para ele, os programas de distribuição de renda do governo Lula, aliados à manutenção da estabilidade política e econômica, fizeram com que um eleitorado que tradicionalmente era avesso ao PT aderisse em massa à candidatura de Lula em 2006 - ao mesmo tempo em que eleitores tradicionais do partido, parte da classe média e do operariado, se afastaram devido às denúncias de corrupção.

Este novo eleitorado que forma o lulismo seria, na opinião de Singer, formado por pessoas de baixíssima renda e teria como principais aspirações a manutenção da ordem e uma ação efetiva do Estado no sentido de distribuir renda.

Para Singer, o lulismo tem características que misturam a esquerda e a direita e representa um desafio também para a oposição.

Na entrevista abaixo, Singer fala ainda sobre como deve ser a disputa para a Presidência neste ano e critica a aliança do PT com o PMDB, que para ele "descaracteriza" o partido de Lula.

BBC Brasil - Como aconteceu esse realinhamento eleitoral em 2006 que deu origem a este fenômeno que o senhor chamou de lulismo?
André Singer - A minha hipótese é que esse realinhamento foi resultado de políticas públicas que foram executadas no primeiro mandato do presidente Lula.

Eu acredito que (ele é fruto de um) conjunto de políticas voltadas para a população de baixíssima que ficou (mais) conhecido pelo Bolsa Família. Na realidade, é um conjunto de medidas que envolvem o aumento do salário mínimo, o crédito consignado, além de uma série de políticas focalizadas, como, por exemplo, o (programa) Luz para Todos, a construção de cisternas no semi-árido nordestino, a regularização de terras quilombolas, só para citar algumas.

É o conjunto dessas políticas que produziu uma mudança na qualidade de vida de um setor de muito baixa renda, que o economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, costuma chamar de "o Real do Lula".

O lulismo é o resultado da combinação entre esse conjunto de políticas e a manutenção da estabilidade.

Eu parto da hipótese que eu verifiquei em pesquisas que essa população (de baixíssima renda), que eu chamo de 'subproletariado', é uma fração de classe que tem um aspecto conservador, que é o de temer o conflito político e, portanto, preferir ou aspirar que as mudanças que eles querem sejam feitas sem ameaça à ordem estabelecida.

Então, o primeiro mandato do presidente Lula acabou por executar esse programa político.

BBC Brasil -Esse realinhamento pode levar a uma hegemonia do PT por algumas décadas?
Singer - No governo Fernando Henrique, o então ministro Sergio Motta falava de 20 anos de PSDB no poder.

Eu acho que o PSDB pensava nisso e eu penso que, de alguma maneira, o PT também pensa nisso. Não sei o quanto é consciente, mas eu acho que um pouco esse pano de fundo está presente.

Não sei se dá para chamar de hegemonia, porque este é um conceito mais amplo, diz respeito a uma capacidade de liderança intelectual e moral, que não é propriamente de um partido, mas é de uma classe que esse partido pode expressar.

Acho que os dois grandes partidos brasileiros, que são o PSDB e o PT, têm um pouco esse projeto, que é legítimo, não há nada que fira as normas democráticas, desde que os processos competitivos continuem.

Eu diria que, sem dúvida, se a minha hipótese do realinhamento se confirmar, isso pode favorecer uma permanência do PT em um período mais longo, talvez próximo de 20 anos no poder.

Mas tudo isso é especulativo e muito difícil de afirmar categoricamente, porque o comportamento eleitoral é tão imprevisível quanto a meteorologia.

BBC Brasil - Até que ponto o senhor acha que pode haver alguma consciência por parte do presidente Lula em relação a esse processo? Porque ele abandonou o discurso de esquerda clássico e fala muitas vezes diretamente com essa população.
Singer - Isto eu não saberia dizer, eu acho que o presidente Lula é dotado de uma intuição política poderosíssima, e é possível que essa intuição tenha levado ele a perceber, se é que a minha hipótese está correta.

É possível que ele tenha intuído isto, mas eu não posso ir além de uma especulação.”
Entrevista Completa, ::Aqui::

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