Os escândalos e a Federação

Mauro Santayana, JB Online

“Os escândalos de Brasília seriam como os outros ocorridos no Brasil, e da mesma forma documentados, se não houvesse razão adicional e mais profunda: a autonomia do Distrito Federal. Os constituintes de 1988, embalados pela fome de liberdades públicas, depois dos anos ditatoriais, não meditaram o pacto federativo que deu origem à República de 1891. O Brasil é uma união de estados, e o Distrito Federal é a sua sede. Seu território não pertence a um estado em particular, mas ao conjunto da República. Os cidadãos que habitam o Distrito Federal são cidadãos da União, a menos que continuem sendo cidadãos-eleitores de seus estados. A Federação implica dupla cidadania, de facto (nos Estados Unidos, de jure): a dos estados e a da União. O Distrito Federal é município, sob jurisdição da União, com estatuto diferente. Ele deve contar com autonomia administrativa (como Washington), mas não autonomia política. Deve dispor de uma câmara municipal com vereadores, empenhados nos assuntos relativos à urbe, mesmo assim com algumas restrições. A civitas é assunto do todo nacional. Admite-se que Brasília disponha de representação no Parlamento federal, como ocorria com o Rio de Janeiro. Nos Estados Unidos, o Distrito de Colúmbia, sede da União, elege somente um representante, da mesma forma que Porto Rico e as Ilhas Samoa. Não elege senadores. O prefeito é eleito, juntamente com um conselho municipal, para tratar dos problemas locais.

Pouco a pouco, em Brasília, a partir da Constituição de 88, o poder local foi se arrogando o estatuto de estado. Os vereadores que deviam estar empenhados nos problemas de trânsito e de coleta de esgotos, ao se chamarem “deputados distritais” (o que é absurdo semântico), começaram a legislar para o mundo. A tal ponto chegamos que as secretarias administrativas do governo local se intitulam Secretarias de Estado.”
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